sexta-feira, novembro 02, 2007


Capa da Obra: Fomes e migalhas
BREVE LANÇAMENTO COLETÂNEA DE CONTOS 2007
ORGANIZAÇÃO ASES - Associação Santa-Rosense de Escritores

Amor sempiterno

Na mão amiga que se estende
No coração uma emoção
Tua presença tão sublime
Me faz sonhar na imensidão
No teu olhar tão cativante
Inebriantes suspiros hei de dar
Por você esperança minha
Amor e paz quero cantar
E depois desta canção
Só nos resta amar assim
O universo também conspira
É nosso aliado até o fim
Eternamente, de mãos dadas
Ao lado do Criador para sempre estar
Contemplando o infinito azul celeste
E os astros todos a testemunhar
Que um amor assim jamais acaba
Está escrito no nosso olhar.


Oséias Santos de Oliveira
Professor, diretor de escola e Membro da ASES - Associação Santa-rosense de Escritores
POEMA AMOR SEMPITERNO (publicado na Obra Os Melhores Poemas de Amor 2007 - Câmara Brasileira do Jovem Escritor - Rio de Janeiro - RJ)

Estiagem

Calor de quase quarenta graus. Lá fora nenhum vento, apenas o mugido de bois que cozinham ao relento, cavoucando a terra em busca de raízes, já que o verde não mais existe. A seca dizima tudo, avança impiedosamente a cada dia, como uma maldição que se disfarça, mas que nunca se acaba. Mata o gado, a plantação e a vontade de viver. Dentro estão os homens, num marasmo sem igual, entregues à própria sorte. Calados, apenas se olham, nada mais.
Alguns deixam a seca sair da memória e com ela seus males. A bebida parece ser o último recurso. Ali estão nove homens amoantoados no pequeno armazém de secos e molhados, àquela altura já desfalcado, com apenas poucas tiras de salame penduradas no varal, exalando um odor forte e apetitivo que chega a dilatar as narinas. No balcão, alguns biscoitos, arroz e pacotes de fubá já mofados. Debruçado sobre ele jaz seu Tomé, incrédulo como ele só.
Vez por outra, o debochado Tomé ainda arrisca alguma piada, como quem quer espantar a tristeza. Mas ninguém ri. A alma está seca demais para sorrir. Apenas olhares rotos de esperança voltam-se para ele, com desdém. Assim a tarde avança lentamente, e, por volta das quinze horas, com muito alarido o silêncio é interrompido. Os homens se entreolham e custam a acreditar que alguém possa perturbar assim, sem mais nem menos o seu momento de pesar.
Na porta, esbanjando benevolência, a figura espectral do velho Salú, mestiço andarilho, com fama de vidente. Chega cansado, maltrapilho e sujo, carregando um saco às costas, que logo cai ao chão, num estrondo seco. Dizem que o velho, quando abre a boca só sabe proferir bênçãos ou desgraças. Poucos chegam-se a ele, ou por medo ou por temor. Do outro lado da rua, um grupo de meninas desalinhadas e pés descalços ficam a tagarelar, cheias de mistério e sorrateiramente espreitam a imagem mística do velho.
Olhando para cada um daquelas faces, o velho Salú parece esquadrinhar o local, sondando os corações, lendo as mentes em desespero. O mal estar parece tomar conta daquela gente sofrida. Alguns enxugam grossas gotas de suor que teimam em escorrer pela face desleixada marcada por sulcos profundos e evidentes.
Ainda de pé, no umbral da porta, o sinistro Salú profere em alto brado, como um mantra sagrado:
- Cai a chuva sobre a terra, molha o chão, traz a vida...
- Cai a chuva sobre a terra, molha o chão, traz a vida...
E assim repete infinitas vezes. A voz vai se tornando mais suave, até ficar quase que imperceptível. Os olhos já não contemplam o lugar. Atravessam o pequeno recinto e miram, pela janela escancarada, o horizonte infinito, tórrido e escaldante.
Sem perceber o tempo se esvai, o entardecer se aproxima e eles ali, unidos por uma voz que ecoa profética e tenaz:
- Cai a chuva sobre a terra, molha o chão, traz a vida...
O primeiro a sair é o próprio Salú, que atravessa a porta puxando atrás de si o pesado saco. No pátio, um cachorro magro e sarnento faz a festa entre suas pernas e segue com ele, por caminhos incertos. Ao longe, as meninas sorridentes acompanham quase hipnotizadas a velho desaparecer na curva da estrada. Depois, um a um, os homens se vão, com os olhos fixos no horizonte distante. Introspectivos, levam para seus lares uma misera centelha de esperança. Fica sozinho, a espreitar pela janela, o descrente Tomé. Tenta coordenar as idéias, organizar os fatos, mas não sabe explicar o que se passara ali naquela tarde, mas notara que ao saírem do armazém, os homens disfarçadamente enxugavam teimosas lágrimas que esgueiravam-se pelo canto dos olhos. Assim pensativo, não consegue desprender-se do infinito e vê, além, uma pequena nuvem que se levanta, tímida e débil.


Oséias Santos de Oliveira
Professor e membro da Ases - Associação Santa-rosense de Escritores
e-mail: oseias.ol@uol.com.br
CONTO ESTIAGEM (publicado na obra 103 que Contam, organizada pelo escritor Charles Kiefer, Ed. Nova Prova, Porto Alegre, 2006)

CRÔNICA PARA AQUECER UMA MANHÃ DE INVERNO

É inverno. O frio chega de mansinho ao cair da noite, trazendo consigo o recolhimento. Os Homens encolhem-se, numa tentativa egoísta, em busca de proteção, de carinho, de afeto... A noite chega e com ele o frio. É o mesmo frio que tolhe e que limita as ações de quem fica a espera.

O deslumbramento, a fascinação de uma noite fria de inverno é o amanhecer que se anuncia. Numa manhã singela de agosto, o sol desperta silencioso como em todos os outros dias, porém anuncia com muito alarde o seu ardor. Estendendo seus braços o sol derrete o gelo, afugenta o frio e acalenta os Homens. Esses seres encolhidos e tímidos, amedrontados e vazios despertam com o sol de uma manhã de inverno. A Vida ganha força, gera vida e transforma-se em sonhos.

O pipilar dos pardais em folguedos mil, o sorriso sereno, a prole à mesa matutina, os gritos infantis pelas ruas, o gracejo juvenil pelas calçadas, o caminhar despreocupado do ancião pelos gramados e praças. Tudo é inundado de graça e esplendor numa manhã ensolarada de inverno.

Com o amanhecer a vida aos poucos retorna ao seu curso normal. Come-se, bebe-se, casa-se... Nascem os filhos. Alguns vão embora, muitas vezes para sempre... É o rio da existência seguindo seu leito e, em suas águas, reflexos inusitados da presença marcante do astro rei, que a tudo aquece provocando insigne metamorfose.

Com o dia que chega, após a cegueira monótona e gélida, os olhos se abrem e só não enxerga quem a verdade não quer ver. As escamas caem por terra e a realidade se despe, mostrando-se nua e crua.... cruel, em muitos aspectos. Velam-se então sonhos perdidos, projetos mal acabados. Crianças sem esperança, sem tetos em suas andanças, sem-terras à beira do caminho e muitos, sem-consciência, a esperar com eterna paciência, que a noite se ponha ao alcance, para então, tímidos e amedrontados, ocultarem-se novamente na escuridão que traz o frio e encolhe a alma.

Oséias Santos de Oliveira

e-mail: oseiasol@uol.com.br
Professor e Diretor de Escola
Membro da ASES – Associação Santa-rosense de Escritores